1 Introdução à Transformação do Sistema Tributário Nacional
1.1. Contexto Histórico e Motivações
Por décadas, o sistema
tributário brasileiro sobre o consumo foi amplamente reconhecido como um dos
mais complexos e disfuncionais do mundo. Caracterizado por uma multiplicidade
de tributos — PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS — com legislações fragmentadas entre
a União, 27 unidades federativas e mais de 5.500 municípios, o modelo anterior
impunha um fardo desproporcional às empresas. Essa estrutura gerava
cumulatividade, ou "tributação em cascata", onde impostos incidiam
sobre impostos ao longo da cadeia produtiva, onerando investimentos e
exportações e reduzindo a competitividade nacional.
A complexidade resultava
em custos de conformidade exorbitantes, insegurança jurídica e um ambiente de
negócios pouco atrativo. Um dos efeitos mais nocivos era a chamada "guerra
fiscal", na qual estados concediam benefícios fiscais de ICMS de forma
unilateral para atrair investimentos, gerando distorções alocativas e um
contencioso federativo perene. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp) quantificou o ônus dessas distorções para a indústria de
transformação em R$ 144,4 bilhões apenas em 2023, o equivalente a 2,91% do
faturamento do setor, evidenciando a urgência de uma reforma estrutural.
1.2. Objetivos Estratégicos da Reforma
1.3. Estrutura Normativa Fundamental
A base para essa
transformação foi estabelecida por dois pilares normativos:
●
Emenda Constitucional
(EC) nº 132/2023: Promulgada em 20 de dezembro de 2023, esta emenda serviu como o
alicerce constitucional, alterando profundamente o Sistema Tributário Nacional
para extinguir alguns tributos antigos e instituir o novo modelo de tributação
sobre o consumo.
●
Lei Complementar (LC) nº
214/2025:
Sancionada em 16 de janeiro de 2025, esta lei regulamenta a emenda
constitucional. Com seus 544 artigos, ela detalha a operacionalização dos novos
tributos, definindo com precisão seus fatos geradores, bases de cálculo,
alíquotas, regimes específicos e a governança do sistema.
Essa reforma, contudo,
transcende a mera substituição de tributos, representando uma profunda
reengenharia do federalismo fiscal brasileiro. Ao centralizar as regras gerais
em legislação nacional e criar um Comitê Gestor para administrar o imposto
subnacional (IBS), o novo modelo desloca o poder de legislar sobre o consumo
dos entes subnacionais para uma esfera de governança técnica e política
centralizada. Na prática, a competição legislativa que alimentava a
"guerra fiscal" é substituída por uma cooperação (ou disputa)
administrativa dentro de um novo arranjo federativo, alterando fundamentalmente
a relação de poder entre União, estados e municípios na esfera tributária.
2 A Arquitetura do Novo Modelo: O IVA Dual e Seus Princípios
Fundamentais
2.1. O IVA Dual Brasileiro: CBS e IBS
Para conciliar a
necessidade de um sistema unificado com a autonomia federativa brasileira, o
modelo adotado foi o IVA Dual. Ele é composto por dois tributos sobre o valor
agregado, com regras harmonizadas, mas com competências distintas:
●
Contribuição sobre Bens
e Serviços (CBS): De competência da União, foi instituída pelo Art. 1º, II, da LC
214/2025. Ela substitui as contribuições para o PIS e a COFINS.
●
Imposto sobre Bens e
Serviços (IBS): De competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e
Municípios, foi instituído pelo Art. 1º, I, da LC 214/2025. Ele unifica e
substitui o ICMS (estadual) e o ISS (municipal).
2.2. Princípios Estruturantes e Seus Efeitos Práticos
O novo sistema é regido
por princípios que visam corrigir as distorções do modelo anterior, conforme
detalhado na LC 214/2025:
●
Não Cumulatividade
Plena: Este
é o pilar central do novo modelo. Garante ao contribuinte o direito de se
creditar de todo o IBS e CBS pagos na
aquisição de bens e serviços, com a única exceção daqueles destinados a uso ou
consumo pessoal. Na prática, isso
significa que o imposto incide apenas sobre o valor agregado em cada etapa da
cadeia, eliminando o "resíduo tributário" e o efeito cascata que
oneravam os investimentos e as exportações no sistema antigo.
●
Tributação no Destino: O imposto passa a ser
devido no local de consumo do bem ou serviço, e não mais na sua origem
(produção). Este princípio é a ferramenta que extingue a "guerra
fiscal", pois a arrecadação não dependerá mais da localização física da
empresa, mas sim do mercado consumidor. Isso também garante a desoneração
completa das exportações, tornando os produtos brasileiros mais competitivos no
mercado global.
●
Base Ampla e Legislação
Uniforme: A
regra geral é a incidência sobre "todas e quaisquer" operações
onerosas com bens (materiais ou imateriais, inclusive direitos) e serviços, com
poucas exceções. A aplicação de uma legislação uniforme em todo o território
nacional visa reduzir drasticamente a complexidade e os custos de conformidade
para as empresas.
2.3. Análise Jurídica do Fato Gerador e Base de Cálculo
(CBS/IBS)
A LC 214/2025 define que
o fato gerador do IBS e da CBS ocorre no momento do fornecimento do bem ou
serviço. A lei detalha situações específicas, como o início do transporte para
os serviços de transporte. Uma regra de grande impacto prático é a antecipação
da exigência do tributo caso o pagamento, parcial ou total, ocorra antes do
fornecimento. Nesse caso, a base de cálculo será o valor pago, e a alíquota
será a vigente na data do pagamento. A base de cálculo padrão é o valor da
operação, excluindo-se o próprio tributo e os descontos incondicionais.
Apesar dos benefícios
evidentes, a aplicação desses princípios, especialmente a não cumulatividade
plena combinada com uma alíquota padrão elevada (projetada entre 26,5% e 28%),
exporá a real carga tributária de setores historicamente menos onerados, como o
de serviços. Empresas de serviços, especialmente as intensivas em mão de obra,
pagavam alíquotas de ISS (2% a 5%) e PIS/COFINS (frequentemente 3,65% no regime
cumulativo) e geravam poucos créditos de ICMS ou IPI. Com o IVA Dual, passarão a ser tributadas pela alíquota cheia
sobre seu valor agregado. Como o principal custo desse setor — a folha de
pagamento — não gera direito a crédito, o valor agregado
tributável será substancial. A aplicação da alíquota cheia sobre essa base
resultará em uma carga tributária nominal significativamente maior, que
provavelmente será repassada aos preços finais, impactando o consumidor.
3 O Imposto Seletivo (IS): Instrumento de Extrafiscalidade
3.1. Conceito e Finalidade
Além do IVA Dual, a reforma instituiu o Imposto Seletivo (IS), popularmente conhecido como "imposto do pecado". Trata-se de um tributo federal, de incidência monofásica (cobrado uma única vez na cadeia) e com finalidade predominantemente extrafiscal: desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Por sua natureza, o IS não gera direito a crédito para as operações subsequentes.
3.2. Hipóteses de Incidência e Base de Cálculo
O IS incidirá sobre a
produção, extração, comercialização ou importação de uma lista específica de
produtos a ser definida em lei ordinária. A LC 214/2025 e os debates
legislativos já indicam os principais alvos: veículos, embarcações e aeronaves
(com critérios de eficiência energética), produtos fumígenos, bebidas
alcoólicas, bebidas açucaradas e bens minerais extraídos. A base de cálculo é o
valor da operação, e as alíquotas poderão ser ad valorem (um percentual sobre o valor) ou específicas (um valor
fixo por unidade de medida, como por litro ou por quilo).
3.3. Análise Crítica e Riscos Associados
A implementação do IS
não está isenta de riscos. Alíquotas muito elevadas podem incentivar o mercado
ilegal e o contrabando, como já ocorre com cigarros. Além disso, a definição do
que é "prejudicial" e a calibragem das alíquotas são suscetíveis a
ciclos políticos e à pressão de lobbies setoriais, podendo levar a uma
tributação com caráter confiscatório. A decisão do Congresso de não incluir
alimentos ultraprocessados na lista, apesar da forte recomendação de
especialistas em saúde, demonstra a influência política na delimitação da base
de incidência do imposto.
Embora apresentado como
uma ferramenta de saúde pública e ambiental, o IS funcionará, na prática, como
um importante e politicamente flexível instrumento de arrecadação para a União.
A gestão federal e a definição de alíquotas por lei ordinária conferem ao
governo uma ferramenta ágil para ajustar a arrecadação, muito mais simples do
que alterar a Constituição. Isso transforma o IS em uma nova arena para
disputas de poder entre setores industriais e o governo, onde a justificativa
de "saúde e meio ambiente" pode, em determinados momentos, mascarar
objetivos puramente arrecadatórios.
4 Regimes Específicos, Benefícios e Mecanismos de Justiça Fiscal
4.1. O Simples Nacional em Encruzilhada
O regime do Simples
Nacional foi mantido, mas as micro e pequenas empresas optantes enfrentarão uma
escolha estratégica crucial com impactos diretos em sua competitividade:
1.
Recolher IBS e CBS
"por dentro" do Simples: Esta opção mantém a simplicidade da guia única de arrecadação
(DAS). No entanto, o crédito de IBS/CBS que poderá ser transferido ao cliente
adquirente será reduzido, calculado com base na alíquota efetiva do Simples.
Isso torna a empresa menos atrativa em vendas para outras empresas (mercado
B2B), que buscam o crédito integral para abater de seus próprios débitos.
2.
Recolher IBS e CBS
"por fora" (Regime Híbrido): Nesta modalidade, a empresa recolhe os demais tributos (IRPJ,
CSLL, etc.) pelo Simples, mas apura o IBS e a CBS pelo regime geral. Isso
permite a transferência do crédito cheio ao cliente, preservando a
competitividade no mercado B2B. Contudo, essa opção aumenta drasticamente a
complexidade administrativa e, potencialmente, a carga tributária sobre o
consumo, contrariando o propósito original do regime simplificado.
4.2. A Cesta Básica Nacional de Alimentos (CBNA)
Para mitigar a
regressividade da tributação sobre o consumo (que pesa mais sobre os mais
pobres), a reforma criou a Cesta Básica Nacional de Alimentos (CBNA), com alíquota zero de IBS e CBS. A LC
214/2025 definiu a lista de produtos, que foi objeto de intensa negociação
política e inclui itens essenciais como arroz, feijão, carnes, leite, ovos,
pão, frutas e fórmulas infantis. Adicionalmente, uma outra lista de alimentos,
como sucos naturais e óleos vegetais, terá a alíquota reduzida em 60%.
4.3. Regimes de Alíquotas Reduzidas
Além da cesta básica, a
reforma estabeleceu regimes favorecidos para setores específicos:
●
Saúde e Educação: Serviços de educação
(infantil, fundamental e médio) e uma vasta gama de serviços de saúde terão
suas alíquotas reduzidas em 60%. A maioria dos medicamentos também se
beneficiará de uma redução de 60% na alíquota geral.
●
Profissionais Liberais: Uma lista de 18
profissões regulamentadas — incluindo advogados, contadores, engenheiros,
arquitetos e médicos veterinários — terá uma redução de 30% na alíquota de IBS/CBS. O benefício, contudo, está
condicionado a regras sobre a estrutura societária, como a exigência de que
todos os sócios exerçam a atividade fim e que a sociedade não tenha outra
pessoa jurídica como sócia.
4.4. O Mecanismo de Cashback
Para promover a justiça
fiscal de forma mais direta, foi criado um mecanismo de cashback, que consiste na devolução de parte do imposto pago por
famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único (CadÚnico). A devolução
será de 100% da CBS e 20% do IBS em contas de serviços essenciais (energia
elétrica, água, gás) e de 20% de ambos os tributos nas demais compras de bens e
serviços. A operacionalização será complexa, com a gestão dividida entre a
Receita Federal (para a CBS) e o Comitê Gestor do IBS.
A proliferação de
regimes favorecidos, embora socialmente justificável em muitos casos, contradiz
os princípios de simplicidade e neutralidade que nortearam a reforma. A
arrecadação perdida com essas isenções e reduções precisa ser compensada para
que a carga tributária global se mantenha neutra. Essa compensação ocorre por
meio da elevação da alíquota padrão, que recai sobre todos os setores não
beneficiados e explica as projeções de uma alíquota geral elevada. Isso cria um
sistema onde setores politicamente mais organizados obtêm benefícios, enquanto
os demais arcam com uma carga maior. A antiga "guerra fiscal" de
incentivos estaduais corre o risco de ser substituída por uma "guerra de
lobby" em Brasília para garantir a inclusão em uma das listas de exceções
da lei complementar.
5 O Cronograma de Transição (2026-2033): Um Guia para a
Adaptação
A migração do sistema atual para o novo será gradual, estendendo-se por um período de sete anos para permitir a adaptação de empresas e governos. O cronograma é um dos aspectos mais críticos e desafiadores da reforma.
5.1. 2026: A Fase de Teste e Calibragem
O ano de 2026 marcará o
início de uma fase piloto. A CBS será cobrada a uma alíquota de 0,9% e o IBS a
0,1%. O recolhimento não será definitivo, servindo como um teste em larga
escala para os sistemas das empresas e do fisco. Os valores pagos poderão ser
compensados com débitos de PIS e COFINS, ou ressarcidos.
5.2. 2027: Início da Vigência Plena da CBS
Neste ano, o PIS e a
COFINS serão completamente extintos. A CBS entrará em vigor com sua alíquota
cheia, e o Imposto Seletivo (IS) também passará a ser cobrado. O IBS, por sua
vez, permanecerá com a alíquota simbólica de teste.
5.3. 2029-2032: A Convivência de Sistemas (Transição do IBS)
Este será o período mais
complexo da transição. O ICMS e o ISS começarão a ser extintos de forma
progressiva, enquanto a alíquota do IBS aumentará na mesma proporção. As
empresas terão que operar com quatro tributos sobre o consumo simultaneamente
(ICMS, ISS, IBS e CBS), um desafio operacional e de conformidade sem
precedentes.
5.4. 2033: A Vigência Plena do Novo Sistema
A partir de 1º de
janeiro de 2033, o ICMS e o ISS serão totalmente extintos. O IVA Dual (IBS e
CBS) passará a vigorar de forma plena, concluindo o longo período de transição
e consolidando o novo modelo tributário brasileiro.
A tabela a seguir detalha os principais marcos da transição:
6 Desafios de Implementação e a Reestruturação Empresarial
6.1. O Impacto Tecnológico e a Adaptação de Sistemas ERP
A implementação da
reforma representa um dos maiores desafios tecnológicos para as empresas
brasileiras. Os sistemas de gestão empresarial (ERP) precisarão passar por uma
adaptação massiva ou até mesmo serem substituídos para lidar com as novas
regras de cálculo, o sistema de creditamento amplo, as novas obrigações
acessórias digitais e o mecanismo de split
payment. Para as Pequenas e Médias Empresas (PMEs), as barreiras de custo e
complexidade para atualizar seus sistemas são significativas, criando um risco
real de não conformidade e perda de competitividade.
6.2. O "Split Payment": Revolução no Recolhimento
Uma das inovações mais
disruptivas da reforma é o sistema de split
payment (pagamento dividido). Trata-se de um mecanismo de recolhimento
automático no qual o valor do IBS e da CBS é segregado e repassado diretamente
ao fisco no momento da liquidação financeira da transação, seja ela via PIX,
cartão de crédito/débito ou boleto. O objetivo principal é combater a sonegação
e a inadimplência. A responsabilidade pela retenção e repasse do tributo não é
do vendedor, mas da instituição financeira ou do arranjo de pagamento que
processa a transação. A LC 214/2025 prevê três modelos para o split payment: um padrão (inteligente e
em tempo real), um simplificado (voltado ao varejo) e um de contingência para
casos de falha operacional.
Este mecanismo
transformará as instituições financeiras em agentes de arrecadação de fato. O
sistema atual é declaratório: a empresa apura e paga o imposto. Com o split payment, a instituição financeira
que processa o pagamento é quem deve reter e repassar o tributo ao governo.
Isso impõe a este setor a obrigação de desenvolver sistemas robustos capazes de
identificar o valor do tributo em cada transação, conectar-se à nota fiscal
eletrônica e realizar a segregação corretamente, criando uma nova e complexa
camada de responsabilidade e risco regulatório. Para o fisco, representa um
nível de controle e acesso a dados em tempo real sem precedentes na história do
país.
6.3. Gestão Contábil e Financeira na Nova Realidade
As mudanças exigirão uma
reavaliação completa da gestão contábil e financeira:
●
Precificação: O modelo "tax
excluded", onde o imposto é calculado e exibido apenas no momento do
pagamento (no caixa), e não embutido no preço de prateleira, exigirá uma
reeducação do consumidor e um treinamento intensivo das equipes de vendas para
evitar a percepção de aumento de preços.
●
Fluxo de Caixa: O split payment eliminará o capital de giro que as empresas
historicamente formavam com o valor dos impostos entre o recebimento do cliente
e o repasse ao fisco. Isso exigirá uma gestão de caixa muito mais rigorosa e um
planejamento financeiro mais apurado.
●
Apuração de Créditos: A não cumulatividade
plena demandará um controle meticuloso de todas as aquisições da empresa para
garantir a maximização da recuperação de créditos tributários, tornando a
gestão de documentos fiscais de entrada ainda mais crítica.
6.4. A "Dupla Obrigação Acessória"
Durante o período de
transição, especialmente entre 2029 e 2032, as empresas enfrentarão o que pode
ser chamado de "dupla obrigação acessória". Elas terão que gerenciar
as apurações e o cumprimento das obrigações dos tributos antigos (ICMS e ISS) e
dos novos (IBS e CBS) simultaneamente, representando um desafio operacional e
um aumento de custos significativo.
Os profissionais da
contabilidade terão que lidar simultaneamente com dois sistemas tributários: o
atual, que inclui tributos como PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI, e o novo modelo,
baseado na CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e no IBS (Imposto sobre Bens
e Serviços).
Os contadores precisarão
dominar as regras de ambos os sistemas, que possuem lógicas distintas de
apuração e tratamento de créditos. Isso demanda uma atualização constante e
aprofundada dos conhecimentos técnicos, além da reestruturação dos processos
internos e dos sistemas de gestão fiscal e contábil, como os ERPs.
Outro ponto crítico é o
impacto no planejamento tributário. Os profissionais da contabilidade terão que
reavaliar estratégias empresariais, contratos e precificação, considerando os
efeitos das novas regras sobre o fluxo de caixa e a carga tributária. A implementação
do sistema de split payment, por exemplo, altera a dinâmica de
recebimento dos valores, já que os tributos serão automaticamente recolhidos no
momento da transação, sem passar pelo caixa da empresa.
7 Análise de Impactos e Perspectivas Futuras
7.1. Impactos Macroeconômicos Esperados
As projeções sobre os
impactos da reforma na economia brasileira são majoritariamente positivas:
●
Crescimento do PIB: Estudos indicam que a
eliminação das distorções e o aumento da eficiência alocativa podem gerar um
crescimento adicional do Produto Interno Bruto (PIB) entre 12% e 20% ao longo
de 15 anos.
●
Competitividade
Industrial: A
desoneração completa das exportações e dos investimentos, aliada ao fim da
cumulatividade, deve impulsionar significativamente a competitividade da
indústria brasileira nos mercados interno e externo.3 O estudo da Fiesp projeta uma redução de 77% nos custos
relacionados às disfunções do sistema tributário para o setor de transformação.
●
Atração de
Investimentos: Um sistema tributário mais simples, transparente e alinhado aos
padrões da OCDE tende a criar um ambiente de negócios mais seguro e atrativo
para investimentos nacionais e estrangeiros.
7.2. O Futuro do Contencioso Tributário
A reforma foi desenhada
com o objetivo de reduzir o elevado volume de litígios tributários no Brasil. A
unificação da legislação e a clareza do fato gerador (operações com bens e
serviços) devem eliminar fontes clássicas de disputas, como o conflito de competência
entre ICMS e ISS. No entanto, a reforma não resolve o gigantesco passivo de
discussões judiciais relativas aos tributos extintos. Essas disputas,
envolvendo teses complexas sobre PIS, COFINS e ICMS, continuarão a tramitar no
Poder Judiciário por muitos anos.
Adicionalmente, a
extinção dos tributos antigos não significará o fim imediato do contencioso a
eles associado. Pelo contrário, pode-se esperar uma "corrida ao
Judiciário" nos anos finais da transição. Empresas com teses tributárias
ainda não ajuizadas ou pendentes de consolidação terão uma janela de tempo
limitada, antes que o prazo prescricional de cinco anos se esgote, para
garantir judicialmente seus direitos a créditos ou a restituição de pagamentos
indevidos. Este movimento pode gerar um pico de litigiosidade, sobrecarregando
ainda mais o Judiciário antes da esperada pacificação trazida pelo novo
sistema.
7.3. Governança e o Papel do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS)
A governança do IBS será
centralizada no Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), uma entidade pública sob regime
especial, com as seguintes características:
● Estrutura e Composição: O órgão terá uma
composição paritária de 54 membros, sendo 27 representantes dos Estados e do
Distrito Federal, e 27 representantes do conjunto dos Municípios.
●
Atribuições: O CG-IBS será
responsável por arrecadar, fiscalizar e distribuir a receita do IBS entre os
mais de 5.700 entes federativos de destino. Também terá a competência de editar
normas infralegais para uniformizar a interpretação e aplicação da legislação
do imposto em todo o território nacional. Importante ressaltar que o Comitê não
terá poder para criar ou alterar alíquotas.
● Desafios de Coordenação
Federativa: A
governança compartilhada de um tributo dessa magnitude é um desafio inédito no
Brasil. Os atrasos na indicação dos membros municipais para a primeira
composição do Comitê, devido a disputas entre entidades representativas, já
sinalizam as dificuldades políticas e jurídicas que permearão o funcionamento
do órgão. A Emenda Constitucional estabeleceu que o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) será a corte competente para dirimir conflitos entre o Comitê e
os entes federativos.
8 Conclusão e Recomendações Estratégicas
8.1. Transformações e Desafios
A Reforma Tributária,
materializada pela EC 132/2023 e regulamentada pela LC 214/2025, representa a
mais profunda mudança no sistema fiscal brasileiro em mais de meio século. Ela
promove uma transição de um modelo arcaico, complexo e fragmentado para um IVA
Dual moderno, digital e alinhado às melhores práticas internacionais. Seus
pilares — neutralidade, tributação no destino e não cumulatividade plena — têm
o potencial de corrigir distorções históricas e impulsionar a economia.
Contudo, o sucesso dessa transição dependerá de uma implementação cuidadosa, da
superação de enormes desafios tecnológicos e operacionais, e de uma governança
federativa eficaz e cooperativa.
A adaptação à nova
realidade tributária não pode ser adiada. As empresas devem adotar uma postura
proativa, iniciando imediatamente um planejamento estratégico que contemple as
seguintes ações:
●
Planejamento Imediato: Realizar um diagnóstico
profundo dos impactos da reforma em seus modelos de negócio, estruturas de
custo, precificação e cadeias de suprimentos. Simular cenários para entender a
nova carga tributária efetiva.
●
Diagnóstico Tecnológico: Avaliar a capacidade
dos sistemas ERP e fiscais atuais para lidar com as novas regras. Iniciar o
planejamento de projetos de atualização ou substituição de tecnologia,
considerando os prazos do cronograma de transição.
●
Revisão Contratual: Analisar e renegociar
contratos de longo prazo, especialmente os de fornecimento e prestação de
serviços, para adequar cláusulas de preço, repasse de tributos e
responsabilidades fiscais.
●
Capacitação de Equipes: Investir massivamente
no treinamento das equipes fiscais, contábeis, comerciais, financeiras e de TI.
A mudança cultural é tão importante quanto a tecnológica.
●
Análise do Simples
Nacional: Para
as PMEs, é fundamental realizar simulações financeiras detalhadas para
fundamentar a decisão estratégica entre manter o recolhimento do IBS/CBS
"por dentro" do regime simplificado ou migrar para o modelo híbrido.
Apesar dos imensos
desafios da transição, a Reforma Tributária estabelece as bases para um
ambiente de negócios mais racional, eficiente e competitivo no Brasil. A longo
prazo, a redução da burocracia, a transparência e a segurança jurídica têm o
potencial de destravar o crescimento econômico, atrair investimentos produtivos
e inserir o país de forma mais robusta na economia global. O êxito dessa
empreitada histórica dependerá da execução competente da transição por parte do
poder público e da capacidade de adaptação e inovação do setor privado.
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